Ouvirá o Mundo o que nunca viu, lerá o que nunca ouviu, admirará o que nunca leu, e pasmará assombrado do que nunca imaginou.


Padre António Vieira, História do Futuro


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Ler um poema, é também olhá-lo, às vezes com as cores para as quais ele nos transporta...Ler, naquela aula, foi também desenhar as palavras com as cores do poeta.
Teresa G.

NUM BAIRRO MODERNO

Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga macadamizada.
 
Rez-de-chaussé repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço as porcelanas.
 
Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.
 
E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.
 
E eu, apesar do sol, examinei-a;
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia
Sérgio Afonso - 11º1 -2009/10
E pendurando os seus bracinhos brancos.
 
Do patamar responde-lhe um criado:
"Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais." E muito descansado,
Atira um cobre ignóbil oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.
 
Subitamente - que visão de artista! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do Sol, o intenso colorista;
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!
 
 Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.
 
E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.
 

Ruben Dias 11º1 -2009/10
 As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.
 
Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como dalguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.
 
E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.
 
O Sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me prazenteira:
" Não passa mais ninguém! ... Se me ajudasse?! ..."
 
Ana Alves 11º1 -2009/10
Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.
(...)
 
E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.
 
E, como as grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.

Lisboa, Verão de 1877


Pedro Pontes 11º1 -2009/10

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