Ouvirá o Mundo o que nunca viu, lerá o que nunca ouviu, admirará o que nunca leu, e pasmará assombrado do que nunca imaginou.


Padre António Vieira, História do Futuro


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

RECORDAR PARA LER

Nada melhor do que recordar os antigos alunos da Escola Secundária Seomara da Costa Primo e os textos que elaboraram para um dos vários Concursos Literários dinamizados por professores de Português.
Alma de Poeta
Um dia destes, passou por mim um poeta a correr. Segui-o, curiosa, para com ele conversar. De repente, parou. Olhou para trás, com os seus olhos de poeta molhados, e sentou-se ali, naquela nuvem macia de algodão. Sem saber o que fazer ou dizer, segredei-lhe ao ouvido algo para o animar. O poeta, surpreendido, disse-me que não me preocupasse, e que apenas pintara versos na Lua. Incompreensível. Os poetas têm almas complicadas, as quais só se explicam em dias de melancolia.
Uma tristeza imune a qualquer sentimento de alegria perturbara-o na noite anterior, em que a sua estrelinha brilhava, na esperança de o ver dormir, regalado por idílios antagónicos que lhe confortam a alma de poeta em conflito. De braços abertos, confessou-me: "O sonho transfigura-me o espírito e é tão bom ficar na ignorância de que o mundo me espera de braços abertos!" E logo se despiu de saudade para mergulhar em desespero.
Nessa mesma noite, a Lua, companheira de infortúnios de amor, sorriu-lhe cinicamente e prometeu-lhe não cantar. Contudo, aproveitando-se da sua eternidade, atirou gargalhadas às estrelas e sacudiu-o de encontro a lágrimas inquietas.
O poeta, cansado de tanta dor, proferiu ameaças aos homens que, estupidamente, se movimentavam em ciclos viciosos. De madrugada, quando finalmente adormecera, foi acordado pelo sussurro das estrelas, que se riam da Lua baixinho. Mais uma vez, pegou no bloco de notas para escrever, o que o levou ao encontro da Lua adormecida, para nela pintar versos de ódio e de dor. Depois, ficou por ali, a conversar com as estrelas, as quais o confortavam timidamente, sem saberem como o adormecer. Ao acordar, a Lua viu-se carregada de raiva e tentou alcançar o poeta que começara a correr.
Foi então que ele me encontrou e pensou que comigo estaria a salvo. Achou que, tal como ele, também eu me revoltara contra a crueldade da Lua, mas logo lhe expliquei que ela a mim me confortava, em noites de solidão como aquela. [...] A solidão desperta-me quase todas as madrugadas e conversa comigo até ao nascer do dia. Inoportuna sensação de abandono...
Após uma longa conversa, concluímos que aquela fora uma infinita madrugada de tristezas infundadas.
Nunca mais esquecerei aqueles olhos cansados de tanto chorar, nem aqueles gestos preguiçosos de quem sofre todos os dias. Em noites fatídicas, relembro as suas palavras, onde a vaga ideia de mim se afoga num imenso oceano de consolos.
Marta Costa Santos--12° 8a N° 2 / 2000