Ouvirá o Mundo o que nunca viu, lerá o que nunca ouviu, admirará o que nunca leu, e pasmará assombrado do que nunca imaginou.


Padre António Vieira, História do Futuro


terça-feira, 31 de maio de 2011

UM TEXTO SURPREENDENTE DE LEONOR CARVALHO (10º1)

Esclarecimento Procura-se

Mas porque é que pensei aquilo? A verdade é que por mais que esperasse, a resposta não vinha. Então esperei um pouco mais. Mas a resposta teimava em não vir. Desviei o olhar do chão, ou do céu, fosse aquela escuridão o que fosse, e levantei-me às apalpadelas, como aliás, sempre fazia. Era sempre de noite naquele lugar. Triste e sombrio, tudo ali era tenebroso e desconhecido. Embora ansiassem por mais, os meus olhos tinham-se já acostumado à imensidão da penumbra que abraça aquele lugar quer de dia, quer de noite, isto é, se realmente existe ali algum dos dois.
Todos aqueles que me rodeavam me falavam na luz. Luz, quem és?
Nunca vivi em lugar algum senão nas trevas da noite. Naquele sítio, o Sol nunca brilha: creio que até ele tem medo de se mostrar em local tão sombrio como aquele, que parece ser só meu. Nunca vi ninguém por ali: sou só eu e a solidão dos meus pensamentos, misturados com aquelas vozes. Essas, perseguem-me todos os dias, a todos os momentos. Por vezes parecem ecoar de todos os becos daquela minha cegueira e, ao mesmo tempo, de lado algum.
É de calcular que, por esta altura, o leitor esteja já confundido. Pois se assim é, bem-vindo ao meu mundo.
Mas voltemos ao tema principal. Isolado no meu universo obscuro, dei por mim a matutar em algo que jamais me havia trespassado a mente… quer dizer… não é bem assim. Na realidade, creio que não existe sequer um pensamento que não tenha já atravessado o meu só e enegrecido intelecto. No entanto, tento afastar as ideias mas obscuras e ocultas que o assolam, tento não lhes dar atenção e espero, quase que suplicando em silêncio, que desapareçam. Afinal, obscuridade já eu tenho que sobre, mas desta vez não fui capaz. Foi mais forte do que eu. Por mais que tentasse afastar aquele pensamento, ele continuava a bater incansavelmente na minha pobre cabeça, até eu lhe dar um pouco de atenção. Só aí cessaria com aquele martelar incomodativo e me deixaria em paz. Vi-me forçado a dar-lhe ouvidos. “Mas que ideia é esta então?”, pergunta-se o meu caríssimo leitor, seja somente por mera curiosidade ou até mesmo por calcular que me pode dar uma resposta para a minha questão por resolver. Pois é com certo pesar que lhe revelo que, infelizmente, começo a desconfiar que este meu problema não tem resposta ou solução possível. Confesso agora a quem se digna a ler estas pobres linhas, fruto de um momento de negra e solitária reflexão, que a única conclusão a que cheguei no fim de tudo isto é que,sim, realmente tenho um problema ou enigma ou como o meu leitor lhe quiser chamar. Até aqui, nada de novo. A minha grande e pequena conclusão, visto que não serve de muito, foi que, afinal, e para meu grande desalento, o meu problema se desdobrava e multiplicava tão rapidamente quanto o meu cérebro permitia. Dividi então, toda esta parafernália de confusões em tema e subtemas. Estes últimos, tornavam-se cada vez mais infinitos à medida que apareciam na minha cabeça. Eram como forasteiros que assaltavam o meu pensamento e o ocupavam, sem mais o abandonar. E assim que se instalavam, sentiam-se suficientemente à vontade para se reproduzirem, mesmo que o meu pobre cérebro não o permitisse. Eram infractores da lei, imparáveis e implacáveis, esses malditos. E quanto mais lutava contra eles, mais eles atacavam e contra-atacavam. Rendição à vista? Essa parecia-me já a única forma de sair daquela batalha com um pingo de dignidade no sangue.
E pensar que tudo isto começou por um simples “porquê?”… “Mas porquê o quê?!”, pergunta sua excelência, o meu paciente e dedicado leitor, que já deve estar a sentir-se algo entre o entediado, o curioso e o enfurecido, daí eu estar a tratá-lo com tamanha polidez. Talvez seja por isso que o meu irmão mais velho, homem de palavras caras e sábias, diz, tantas e repetidas vezes, que posso não ver mais do que uma cortina negra diante dos meus olhos, mas que o meu poder de bajulação persuasiva está lá.
Voltando ao nosso ponto de interesse, onde é que estávamos? Ah sim, “ mas porquê o quê?!”. Ora, porque é que tudo parece estar envolto numa sombra cerrada para mim? E partindo daqui, eu pergunto-me: o que é a luz? O que são as cores e as formas dos objectos? E como são os teus olhos, grandes ou pequenos, amendoados ou arredondados?, como é o teu nariz, fino ou largo, afilado ou achatado, como são exactamente os teus lábios?, deles conheço apenas o seu suave toque e sabor, e como são as tuas mãos, oh, as tuas mãos, cujo toque reconheço sob todas as condições possíveis e imaginárias e que delas somente posso relembrar a sua suavidade e humidade característica? Imagino tudo isto, mas porém, sem certezas. Será isso suficiente? E porque é que tu, tu e todos, sussurram entre si sobre tudo isto que me atormenta o dia-a-dia sem nunca me darem uma resposta concreta?
Esclarecimento procura-se, e esta oferta está aberta também para si, caríssimo leitor.



Leonor de Carvalho